Travessia Baependi – Aiuruoca

Relato da Travessia Baependi – Aiuruoca realizada em 4 dias, com início no Bairro da Vargem, em Baependi/MG e fim na porteira do Sítio do Saulo, em Aiuruoca/MG. De grau moderado, a trilha oferece alguma dificuldade quanto a orientação, existindo muitas bifurcações pelo caminho.


fotos-travessia-baependi-aiuruocaLocal: Baependi e Aiuruoca (Parque Estadual da Serra do Papagaio)
Data:  Fevereiro/2017
Percurso: Bairro da Vargem/Baependi – Sítio do Saulo/ Aiuruoca
Distância: 44 Km aproximadamente
Tempo: 4 dias
Participantes: Keila Beckman, Andreina Lima, Isabel Macedo, Daniela Ferrer, Lucas Motta, Emerson Fonseca e Célio Vong
Grau de dificuldade: Moderado


1° Dia: Bairro da Vargem/Baependi – Cachoeira do Juju

Primeiro dia da Travessia Baependi - Aiuruoca
Visual do primeiro dia da Travessia Baependi – Aiuruoca.

ATENÇÃO: Atualmente é PROIBIDO ACAMPAMENTO NA CACHOEIRA DO JUJU. O ponto mais próximo para se acampar então, autorizado pelo parque, é a Cabana do PESP (antigo Rancho do Salvador),  que fica 1 hora antes da Cachoeira do Juju (naquela casinha à beira do rio que forma os tobogãs), para quem faz no sentido Baependi – Aiuruoca. Próxima área  de camping oficial é a Cabana do Charco (antigo Rancho do Caçador), que fica 3 horas depois da Cachoeira do Juju, próximo a Cachoeira do Charco. Mais informações podem ser obtidas com o próprio PESP .

Acordamos por volta das 5:45, tomamos café, e as 7:00  partimos de São Lourenço para o Bairro da Vargem, em Baependi, onde iniciaríamos a travessia.

Como nossa amiga Dani conseguiu uma van em São Lourenço (que fica a aproximadamente 30 minutos de Baependi), para fazer o nosso resgate na travessia Baependi – Aiuruoca, decidimos que o encontro do grupo seria naquela cidade, motivo pelo qual todos seguiram para lá, pernoitando no apartamento da Dani.

O dia estava bem feio, acinzentado e chuviscando, mas isso não desanimou nem um pouco o pessoal.  Já sabíamos que pegaríamos chuva e decidimos ir mesmo assim. Nosso desejo de estar na montanha era muito maior.

Antes de sairmos da cidade, o Sr. Diomar parou para abastecer e pediu a segunda metade do pagamento. Não concordamos pois sempre pagávamos no final das travessias, após o serviço ser prestado por completo. Mas ele insistiu e falou que quando chegássemos à Baependi deveríamos pagá-lo.

Quando fechei o negócio com ele apenas tratamos do valor que deveria ser depositado antecipadamente, para reserva da van. Nada falamos sobre a segunda parte do pagamento. Porém,  como é de costumes, pagarmos a segunda parcela dos resgates apenas ao final das travessias, após a completa prestação do serviço, achei que seria dessa forma também, já que ele não falou nada em contrário.

Após o abastecimento seguimos viagem rumo ao  Bairro da Vargem em Baependi. Durante o caminho o chuvisco se transformou em chuva e a neblina começou a tomar conta do local. Passei a ficar apreensiva.

Assim que chegamos ao Bairro o Sr. Diomar parou em frente a um bar e foi pedir informação de como chegar ao início da trilha que levava ao Morro do Chapéu (ele nunca tinha estado lá).  A senhora que o atendeu ficou assustada com o que queríamos fazer e nos aconselhou a não subir o morro naquele tempo, dizendo que era perigoso, que ninguém subia com chuva.

Quando chegamos ao mata burro onde iniciaríamos a travessia Baependi – Aiuruoca (2 Km desde o Bairro – cerca 10 minutos),   todos imediatamente começaram a vestir suas roupas impermeáveis e a proteger suas mochilas da chuva.

Eu olhava aquela cena toda, via minha mochila já toda encharcada de água, apenas no tempo em que eu me vestia, e comecei a me questionar, em pensamentos,  se estaria fazendo a coisa certa. Lembrei então da nossa Volta ao Gelo Continental Patagônico Sul em que iniciamos a trilha também embaixo de chuva, e fizemos praticamente toda ela nessas condições, naquele frio danado. Aí eu pensei: “Nós vamos tirar de letra”.

Nesse meio tempo o Sr. Diomar me cobrou o restante do dinheiro, novamente. Como estávamos naquele fuzuê todo de vestir roupas impermeáveis e proteger as mochilas, embaixo de chuva,  e vendo que não adiantaria discutir com ele o motivo para pagarmos só no final da travessia (ele ainda não tinha prestado todo o serviço), resolvi acertar com ele de uma vez. Mas fomos incisivos: “O senhor vai nos buscar, né?”

Combinamos com ele, então, as 11:00 na porteira do Sítio do Saulo em Aiuruoca. Ele disse que estaria lá antes disso, logo de manhãzinha.

Iniciamos então à subida as 9:45,  desconfiados de que seríamos passados para trás.

Nesse início, tivemos a companhia de um senhorzinho de guarda chuva, seu Zé Augusto,  que levava um cavalo carregado de leite para algum lugar próximo ao Morro .

Início da travessia no Bairro da Vargem em Baependi
Seu Zé Augusto (Foto Lucas Motta)

Ele disse ao Lucas que nós éramos “corajudos” por subir o “pedrão” naquele tempo. Hahahahaha… “Corajudos”.

Quando chegamos à uma porteira,  o senhorzinho informou que era mais rápido seguir pela trilha à direita, não pela estrada. O tracklog que usávamos naquele momento (do  Fábio Fliess) mandava seguir pela estrada, mas decidimos seguir o conselho do seu Zé Augusto (mais tarde verifiquei que era o mesmo caminho feito pelo pessoal dos Exploradores)

Após nos despedirmos do senhor, prosseguimos com a subida, pela trilha que ele nos indicou, até encontrarmos com a trilha do tracklog que estávamos seguindo.

Pouco depois ouvimos barulho de água, que ecoava de dentro da mata à nossa direita, vindo a cruzar com um pequeno riacho mais a frente.

Marcado o ponto, continuamos seguindo a trilha sempre subindo, por dentro da mata, até o ponto em que saímos em campo aberto e, daí em diante, a subida ficou mais puxada.

Quando chegamos próximo à base do Morro do Chapéu, por volta da 12:30 fizemos uma pausa para o almoço, local onde ouvimos barulho de água novamente,  vindo da mata a nossa direita. Dani e eu fomos até lá e constatamos que realmente ali era o ponto de água marcado pelo pessoal dos Exploradores (um pequeno riacho).

Após o almoço, e a Dri constatar que sua bota estava furada,  prosseguimos com a travessia até a Cachoeira do Juju, nosso objetivo do dia.

Não subimos o Morro do Chapéu, já que não teríamos visual algum, devido ao mal tempo, e, pelo mesmo motivo, ao invés de contornar a mata pelo mirante da cruz, decidimos seguir por um atalho que corta a mesma.

O percurso do Morro do Chapéu até a cachoeira do Juju é bem tranquilo, ora retas, ora subidinhas, ora descidinhas, num lugar onde a natureza mostra todo seu esplendor. Montanhas e mais montanhas, em vários contornos;  lindas quedas d´águas que formam tobogãs e um belo vale abaixo de nós.

A Juju? Ahhhh a Juju… A borda infinita é muito, muito, linda. Nenhuma fotografia que eu tirei conseguiu capturar toda a beleza daquele lugar. Aliás, nenhuma fotografia que eu tirei conseguiu capturar toda a beleza da travessia Baependi – Aiuruoca. Só estando lá pra saber.

Primeiro dia da travessia Baependi - Aiuruoca
Topo da cachoeira do Juju

Chegamos à Juju pouco antes das 17:00, após encarar a única acentuada descida do dia, e a travessia do rio da cachoeira, onde alguns sentiram seus pés escorregarem. Atravessei de meia, para dar maior aderência, então não tive esse problema.

Rio atravessado, deixamos nossas mochilas na área de camping, onde já havia um grupo de 3 pessoas (2 moças e um rapaz)  e partimos para um tibum.

O pessoal estava tão empolgado que nem se importou com as gélidas águas da cachoeira. Eu bem que tentei, mas não consegui. A Dri falava, “vem que depois você acostuma”. Mas era fria demais para eu suportar. Pareciam milhões de agulhas entrando no meu corpo.  Fiquei só num banhinho bem ordinário, mas ainda assim, bem sofrido. Maldita Síndrome de Raynaud.

Banho tomado, armamos as barracas, jantamos e caímos no sono.

Foram 3 horas de caminhada, em ritmo tranquilo, até o Morro do Chapéu (4,5 Km) e mais 4 horas de caminhada, também em ritmo tranquilo, até a Cachoeira do Juju (8,5 Km). O primeiro trecho é pesadinho, mas o segundo é leve.

Distância: 13 km
Tempo: 7h30
Nível: Moderado (primeiro trecho pesado + segundo trecho leve)
Camping: Cachoeira do Juju

ATENÇÃO: Atualmente é PROIBIDO ACAMPAMENTO NA CACHOEIRA DO JUJU. O ponto mais próximo para se acampar então, autorizado pelo parque, é a Cabana do PESP (antigo Rancho do Salvador),  que fica 1 hora antes da Cachoeira do Juju (naquela casinha à beira do rio que forma os tobogãs), para quem faz no sentido Baependi – Aiuruoca. Próxima área  de camping oficial é a Cabana do Charco (antigo Rancho do Caçador), que fica 3 horas depois da Cachoeira do Juju, próximo a Cachoeira do Charco. Mais informações podem ser obtidas com o próprio PESP .

2° Dia: Cachoeira do Juju – Totem do Santo Daime

segundo-dia-travessia-baependi-aiuruoca
Vista dos tobogãs no segundo dia da Travessia Baependi – Aiuruoca (foto: Emerson Fonseca)

ATENÇÃO: Atualmente é PROIBIDO ACAMPAMENTO NO TOTEM DO SANTO DAIME. O ponto mais próximo para se acampar então, permitido pelo parque, é o Retiro dos Pedros, que fica mais à frente, à 2h30 dali, para quem faz no sentido Baependi – Aiuruoca. Mais informações podem ser obtidas com o próprio PESP

Acordamos por volta das 6:00, tomamos café, desmontamos acampamento e partimos as 8:00, logo após o outro grupo que ali, também, se encontrava.

Nosso objetivo era acampar no Mirante da Cachoeira do André, após o Santo Daime, para dormir mais alto e pegar algum visual.

Logo no início da caminhada erramos o trajeto. Pegamos uma trilha bem batida que segue à frente do acampamento (aparece no vídeo nosso erro), mas em poucos segundos vimos que estávamos fora do tracklog que seguíamos (o do Fábio Fliess). Voltamos, então,  e pegamos a trilha certa, que segue subindo, em direção à placa pregada na árvore, a qual adverte quanto ao lixo.

Esse trecho foi um subidão bem íngreme, mas relativamente curto. Neste ponto o Lucas se deparou com algo que o incomodou por toda a travessia Baependi – Aiuruoca: o solado da sua bota havia descolado.

Como não tínhamos silvertape, improvisei o reparo com alguns cordeletes que eu sempre carrego, e prosseguimos com a caminhada.

Logo  paramos de subir e começamos a descer a montanha pela direita, até darmos de encontro com uma bifurcação com 3 pontas (esquerda, meio e direita). Pegamos equivocadamente a trilha da esquerda, mas logo vimos que havíamos saído do tracklog.

Sabíamos então que a trilha correta não era para a esquerda, mas ficamos um pouco confusos se o caminho seria pela trilha do meio ou pela trilha da direita, pois as duas eram muito próximas (o GPS não foi preciso nessa hora). Fizemos as tentativas e vimos que a trilha do nosso tracklog seguia pelo meio. Já em casa, analisando o tracklog, constatei que a trilha da direita apenas levava a um mirante (depois teríamos que descer para encontrar novamente com a trilha do meio, adiante).

Pouco mais à frente, outra bifurcação, que também levava àquele mirante, e para o qual prosseguimos equivocadamente.

Após alguns minutos fora da trilha e alguns desentendimentos, por conta de se querer seguir por caminho que não constava em nenhum dos 4 tracklogs que carregávamos, caímos novamente na trilha certa e continuamos subindo, até iniciar uma descida até um pequeno riacho, a 3 Km da Cachoeira do Juju.

Como estávamos com os cantis cheios, não fizemos parada para reabastecer e continuamos com a caminhada, sem mais nenhum problema com bifurcações, até chegarmos na de Alagoa.

Apesar de todo o alerta dos relatos que li, apesar de ter marcado no tracklog, “seguir à esquerda”, acabei descendo pela trilha da direita, que leva à Alagoa, por pura falta de atenção. A trilha estava muito, mais muito bem marcada e, numa distração com a câmera, nessa hora, acabei não analisando o GPS, iniciando a descida equivocada. Sorte que verifiquei o equívoco bem cedo. Retornamos até o ponto em que saímos da trilha e localizamos a trilha que deveríamos seguir, bem escondida entre a vegetação.

Segundo dia da travessia Baependi - Aiuruoca
Visual do segundo dia da travessia Baependi – Aiuruoca

O visual dessa parte é espetacular. Todos ficaram encantados com o lugar mas o Lucas foi o que me passou a maior sensação disso, só pelo tom como falou: “Que bonito isso aqui cara. Meu Deus do céu”.  É claro que eu só poderia abrir o vídeo dessa travessia com essa demonstração explícita de encantamento.

Após alguns instantes de contemplação e nossos tradicionais 10 cliques automáticos, descontraídos, continuamos a descida até o temido “rio fundo” , passando, no caminho, pela bifurcação que levava à um casebre, à direita.

Não descemos até o casebre. Continuamos pela trilha a nossa frente até chegar a uma outra bifurcação, onde há uma placa escrito cachoeira de charco, e apontando para a esquerda.

Nosso tracklog mandava descer à direita, para atravessar o rio. Descemos por ali então, mas assim que chegamos constatamos que se tratava de um local um pouco fundo (seria água pela cintura), apesar de pouca correnteza.

O Lucas achava que dava para passar por ali, que estava tranquilo, mas eu, com esse meu pavor de água, por não saber nadar direito, pedi para tentarmos em outro ponto.

Subimos de volta à placa e descemos pela esquerda, onde a trilha bifurcava novamente para a esquerda (levava à queda d’água da cachoeira), e para a direita (levava à um platô de pedra) às bordas do rio.

Pela queda da cachoeira tinha um grande trecho de pedra seca que adentrava quase todo o rio, porém era cortado pela água em certo momento. E a distância entre esse trecho de pedra seca e a próxima pedra seca, apesar de curta, era significativamente grande para atravessar com segurança, conforme constatado pelo Emerson, que foi até lá.

O outro ponto que localizamos, onde havia um platô de pedra, era bem raso, pois esse platô também entrava bastante no rio. Porém a água corria forte sobre ele, e em descida. Era arriscado demais passar por ali. A correnteza poderia desequilibrar a pessoa e ela ir parar na queda da cachoeira que estava bem próxima.

Decidimos então atravessar no primeiro local que verificamos.

De volta àquele ponto, o Lucas entrou primeiro no rio e  foi analisando por onde poderíamos passar em segurança. Enquanto isso a Bel, o Emerson e eu tirávamos as roupas para não molhar. Fiquei de meia para dar maior aderência nas pedras, pendurei as botas no pescoço e guardei minha câmera e GPS na “cabeça” da mochila.

Após o Lucas analisar o melhor caminho para passarmos, iniciamos a travessia do rio, por cima de algumas pedras molhadas. A Dani, destemida, nessa hora, já estava lá na frente com o Lucas e ficou de apoio para resgatar as mochilas, no trecho mais fundo, onde a água batia na cintura, a fim de não as molharmos.

Lucas foi orientando a Dri , que vinha logo atrás dele, e a Dri orientando quem vinha atrás dela (eu, Bel e Emerson, respectivamente).

Quando chegávamos no trecho mais fundo, o Lucas pegava nossas mochilas e passava para a Dani, que já estava em local seco. Assim, passamos, um a um, em segurança, e  preservamos nossas mochilas secas.

Ainda quando estávamos no meio do Rio, olhei para trás e vi uma pessoa descendo rápido, lá  de cima, fazendo alguns cliques. Logo imaginei que seria o Célio Vong, que ficou de nos encontrar no próximo acampamento. E era ele mesmo.

O Célio chegou e disse que tinha um grupo de 3 pessoas logo atrás, parado no casebre. Era o mesmo grupo que encontramos na cachoeira do Juju e que havia partido antes da gente.

Ele disse que o rapaz estava mal, que tinham seguido um tracklog que os levou por um caminho muito mais longo.

O Célio falou que ia esperar esse grupo para ajudá-los na travessia do rio. Decidimos ficar também para colaborar. Nessa hora, retirei minha câmera de dentro da mochila e percebi que tinha detonado com a minha lente. Como eu pude ser tão burra, em guardar a câmera destampada junto com o GPS? Agora só comprando uma nova, porque não tem como consertar isso. Até lá vou ficar com essas bolinhas bem no meio das minhas fotos e filmagens 🙁

Bom, assim que o pessoal chegou, trabalhamos em equipe e todos atravessaram em segurança. A Dri  orientava o pessoal no meio do rio, o Célio orientava na parte mais funda e me passava as mochilas, e o Emerson ajudava as pessoas a saírem do rio.

Perdemos mais de  1 hora só nesse rio, desde a hora que chegamos até o momento em que partimos.

Rio Fundo a ser atravessado na travessia Baependi - Aiuruoca
Rio Fundo

Estava com bastante medo desta travessia de rio, mas acabou que não era tudo aquilo que eu temia. Não tinha correnteza naquele ponto, não escorregava (talvez porque eu estivesse de meia) e nem era tão fundo assim. E olha que,  duas semana antes,  havia caído uma baita chuva lá, que durou todos os 7 dias (na semana que antecedeu nossa travessia não caiu um pingo sequer). De qualquer modo a ajuda do Lucas e da Dri  foi essencial para eu me sentir segura e conseguir atravessá-lo sem maiores problemas.

Bom,  após um bom tempo desperdiçado só nesse trecho, continuamos com a nossa caminhada, em subida, agora na companhia do amigo Célio Vong. Nessa hora começou a chover fraco e até ouvimos alguns trovões longe.

No decorrer da caminhada a chuva aumentou e nossas roupas impermeáveis acabaram não aguentando. Ficamos encharcados e com as botas pesadas, cheias de água.

Diante das condições  nosso objetivo do dia passou a ser o acampamento do Santo Daime.

Assim que chegamos ao Daime, avistamos uma área de camping grande e muito boa, a beira da estrada,  porém era completamente exposta a vento.

Seguimos procurando então por uma área mais protegida mas não encontramos. Armamos as barraca, então, ali mesmo, embaixo de um chuvisco chato.

Novamente o trabalho em grupo foi essencial. Agora, para evitar molhar o interior das barracas.

Enquanto uns seguravam o sobreteto aberto, fazendo uma espécie de guarda-chuva, outros dois iam armando a barraca por baixo.

Eu adoro essas horas. Horas em que a gente vê como todos estão em profunda sintonia. Não precisamos falar absolutamente nada do tipo, “vamos fazer  de tal jeito”. O pessoal espontaneamente já faz tudo, como se tivessem conversado mentalmente uns com os outros. Isso é muito legal.

Após todos estarem de barracas armadas, entramos nas mesmas e colocamos roupas secas, as únicas que ainda nos restavam. Lucas constatou, nessa hora,  que seu saco de dormir tinha molhado.

Enquanto nos trocávamos, os meninos foram buscar água, na ponte que fica bem próxima dali, na estrada que leva ao Matuto.

Diante dos acontecimentos, de todos estarem apenas com as roupa do corpo seca, da possibilidade de pegarmos chuva novamente no dia seguinte, e do risco que seria molharmos as únicas roupas secas que nos restavam, cogitamos abortar a travessia Baependi – Aiuruoca, pela estrada que levava ao Matuto. Porém deixamos para tomar uma decisão definitiva apenas no dia seguinte.

Pouco tempo depois de termos montado as barracas a chuva cessou e pudemos fazer o nosso jantar. Enchemos as panças e caímos no sono. Pelo o que me lembro não era nem 8:00 da noite.

Foi um dia bem puxado, bem longo, de muita chuva e frio. Realmente a previsão de 22 mm para o dia  deve ter se concretizado. Mas valeu a pena mesmo assim.

Quem nunca passa por esse tipo de situação nunca vai se fortalecer psicologicamente. Isso não acontece lendo livros, nem ouvindo as experiências de outros. O fortalecimento só vem com a vivência. Por isso,  quando estiver nesse tipo de situação, ao invés de reclamar ou ficar achando que tudo está uma droga, desejando profundamente voltar para o conforto da sua casa quentinha, lembre-se que aquilo está te tornando uma pessoa mais forte.

Não lembro muito desse dia da travessia, após transpormos o rio,  pois mantive minha cabeça a maior parte do tempo abaixada, para não entrar água pelo pescoço do anorak.

Só lembro que subimos  e descemos muitas vezes, andamos por uma longa e antiga estrada e cruzamos com 3 pontos de água até o Santo Daime, todos marcados em nosso tracklog.

Foram  cerca de 4 horas de caminhada em ritmo tranquilo até o Rio “fundo” (6 Km) e mais 5 horas de caminhada, em um ritmo mais forte, até o Santo Daime (9 Km). O trecho todo é pesado.

Distância: 15 km
Tempo: 9h30
Nível: Pesado
Camping: Santo Daime

ATENÇÃO: Atualmente é PROIBIDO ACAMPAMENTO NO TOTEM DO SANTO DAIME. O ponto mais próximo para se acampar então, permitido pelo parque, é o Retiro dos Pedros, que fica mais à frente, à 2h30 dali, para quem faz no sentido Baependi – Aiuruoca. Mais informações podem ser obtidas com o próprio PESP

3° Dia: Totem do Santo Daime – Acampamento Oficial Pico do Papagaio.

Terceiro dia da travessia Baependi-Aiuruoca
Pico do Papagaio ao fundo (foto: Emerson Fonseca)

O dia amanheceu nublado novamente, prometendo mais chuva.

Diante do fato de todos estarem apenas com a roupa do corpo seca , alguns com o saco de dormir molhado e do clima não estar nem um pouco amigável,  acabamos decidindo abortar mesmo a travessia pela estrada que leva ao Matuto.

Sabíamos plenamente que aquilo era o mais certo a ser feito,  mesmo que desejássemos muito prosseguir com a travessia Baependi – Aiuruoca.

Começamos a desarmar acampamento então. Um clima meio melancólico pairava no ar.

Nosso amigo Célio, ao contrário, ia continuar.  Ele estava convicto de que o tempo melhoraria e a todo tempo, enquanto nos arrumávamos para partir, ele falava “vai abrir”, “vai abrir”,  pilhando a gente para continuar.

E não é que começou a abrir mesmo.

Aquele pedacinho de céu azul e o incentivo do nosso amigo Célio acabou fazendo com que mudássemos de ideia.

As 9:15, então, partimos do camping do Santo Daime rumo ao acampamento do Pico do Papagaio.

Logo no início, uma cobra cruzou a trilha em que passávamos, mas ficou quietinha lá na dela. Uma jararaca, segundo o Lucas. Linda, linda.

Após o susto iniciamos uma forte subida, chegando ao topo (Mirante da Cachoeira do André) em 1 hora, desde o Daime. Dali era possível avistar a Cachoeira do André, porém muitas nuvens tapavam completamente o visual, naquela hora.

Pretendíamos acampar neste local, na noite anterior, para dormir mais alto e tentar ter algum visual (coisa que não se tem do Daime, que é baixo e cercado por árvores). Quando chegamos lá, dei graças a Deus que tínhamos parado no Daime.

Segundo informações, existia área para acampar neste local, mas não avistei qualquer área boa para isso. Havia sim um grande campo aberto, mas não haviam clareiras  onde se pudesse armar barraca.

Após esse trecho, rumamos com destino ao próximo ponto de referência, o Retiro dos Pedros, onde chegamos em 1h40min desde o Mirante da Cachoeira do André, após uma longa subida, em meio a mata fechada.

Alguns segundos antes de chegarmos ao Retiro, cruzamos com um pequeno  riacho, onde coletamos água.

Fizemos então uma longa pausa para descansar e almoçar. Nessa hora a maioria de nós estava com lanche de trilha escasso. Não sei o que aconteceu desta vez. Ou todos calcularam mal a quantidade de comida, ou, assim como eu, pensaram: “Não vou levar muita comida dessa vez porque o pessoal sempre leva a mais. Se faltar eu pego com eles”.

Eu estava faminta. Comi um pouco de castanhas,  algumas balas e o último pedaço do queijo que me restava,  e continuei com fome. Todos estavam como eu. A Dri falava para a gente comer as castanhas dela, porque ela tinha bastante, mas, como disse a Bel “isso não enche barriga não”. A gente queria era um bom prato de comida.

Foi aí que o Célio tirou um salame da mochila e falou “quem quer?” Foi um virar sincronizado de cabeças em direção a ele, com olhinhos brilhando, como os de uma criança quando ganha um bichinho de estimação.  E, depois do salame, ainda ganhamos chocolate. Aê Célio. Salvou a Troupe.

Antes de partirmos o Célio ainda tirou um sopão da mochila e disse que iria nos dar. O Lucas, esfomeado,  já queria fazer ali mesmo, mas resolvemos deixar para comer antes do jantar.

Após um descanso de pouco mais de 1 hora, prosseguimos com a travessia por um campo aberto e bem retinho.

Nesse local encontramos com várias pessoas fazendo uma espécie de ritual. Cada uma delas estava sozinha dentro de um círculo,  formado por uma corda pendurada, sendo que cada corda era de uma cor diferente.

A gente passava e essas pessoas nem se moviam. Sequer uma olhadinha para a gente. Continuavam lá, imóveis, olhando vidradas para o nada. Pareciam estar em transe. Não sei porque, mas não me senti bem ali. Acho que fiquei com um pouco de medo. Medo do que? Nem eu sei.

Mas, ao cruzar com o último deles pelo caminho, fomos abordados. Um moço jovem, e bem simpático,  nos vendo tirar fotos, sem sair do seu círculo, perguntou se podíamos tirar uma foto dele com a paisagem e depois enviar ao seu email.

Emerson na hora se prontificou e avançou em sua direção, até o limite do círculo, onde ele disse que ninguém poderia  adentrar, pois era o espaço dele. Foi aí que ficamos sabendo de toda a história. Eles eram do Xamã. Estavam lá para meditar. Buscavam autoconhecimento. Era a primeira vez dele no retiro.

Após o Emerson clicar as fotos que o moço pediu e a Dani anotar seu contato, continuamos com a travessia, já com o visual do  Pico do Papagaio sempre a nossa frente.

A partir desse momento, começamos a cruzar com vários buquês gigantes de flores. Que coisa mais linda, meu Deus. Fiquei encantada.  A Bel, então, nem se fala. Mal podia acreditar.

Flores da Serra do Papagaio
Buquê de flores na Serra do Papagaio

Mas logo o encantamento foi tomado pela apreensão, pois passamos a enfrentar íngremes trechos de laje de pedra, tanto em descidas como em subidas, com o abismo logo ali, nos fazendo companhia. Um pouquinho de emoção no final da travessia.

Lajes de Pedra no terceiro dia da travessia Baependi - Aiuruoca
Lajes de pedra próximas ao Santuário (ou Pedra do Tamanduá)

Depois das lajes de pedra descemos um pequeno trecho em meio aos arbustos e logo iniciamos uma pequena subida até o Santuário (ou Pedra do Tamanduá). Um lindo aglomerado de rochas, de onde se tem uma vista incrível de todo o vale, com a pequenina Aiuruoca aos seus pés.

Ficamos cerca de 15 minutos neste local , apreciando a vista e fazendo alguns cliques, antes de descer rumo ao nosso acampamento, sempre com o visual do vale à nossa esquerda, o Pico do Papagaio à nossa frente e as dezenas de buquês de flores espalhados pelo caminho.

Pouco antes de chegar ao acampamento, o Célio fez um desvio à esquerda para nos levar até a Pedra Quadrada, outro lugar privilegiado para apreciar a vista.

Vista do topo da Pedra Quadrada
Topo da Pedra Quadra

Ficamos um pouquinho ali e logo partimos para o nosso acampamento, onde chegamos em cerca de 5 minutos. Isso mesmo, 5 minutos. É muito pertinho. Creio que dê para assistir um belo pôr do sol dali.

Eu tinha planejado acampar no acampamento que tem mais próximo do cume do Papagaio, onde o pessoal dos Exploradores acamparam, mas como o Célio parou ali, e eu vi que era uma boa área (oficial, inclusive), nem falei nada em continuarmos.

Estávamos a 1 hora do cume do PP, mas decidimos que  o atacaríamos  só no dia seguinte, bem cedinho.

No momento, nós só queríamos uma coisa. Comida!!

Após armarmos as barracas, Emerson e eu fomos buscar água, em uma nascente que existe  à beira da trilha que leva ao cume do Pico do Papagaio, a cerca de 15 minutos do acampamento.

Quando voltamos, o Lucas preparou a sopa que o Célio nos deu e nos esbaldamos.

Camping Oficial na base do Pico do Papagaio
Camping Oficial Pico do Papagaio

Mas a fome continuava, então fizemos logo o nosso jantar. Risoto primavera, misturado com risoto de creme de leite e milho, da Liofoods,  e feijoada  da Panco.  Ahhhhhh… que delícia.  Mas se eu disser que, depois de tudo isso, eu ainda estava com uma pontinha de fome, vocês acreditam?

Depois do jantar fomos para dentro das barracas porque os pernilongos estavam nos atacando. Pouco depois começou a garoar.

Conversamos por um tempo e logo pegamos no sono, com uma sinfonia de pernilongos do lado de fora da barraca.

Acordamos por volta das 20:30 com  um aguaceiro danado caindo sobre a barraca, a qual não aguentou o tranco e começou a molhar. Como estava molhando na parte de cima apenas, e não estava pingando em nós, não nos preocupamos muito. A Dri até falou “pelo menos com essa chuva a gente não vai mais ficar escutando os pernilongos”. Pois é. Estava mesmo difícil de dormir com aquele barulhinho irritante que todos aqueles pernilongos estavam fazendo lá fora.

Voltamos a dormir então, sem muita preocupação. Quer dizer, só os clarões dos raios que estavam caindo nos deixavam meio receosas. Mas pelos trovões calculamos que estavam caindo a cerca de 20 Km dali.

Pouco antes da meia noite, acordei sentindo meus ombros molhados. Estava entrando água pela parede da barraca e escorrendo para cima do meu isolante.  A Dri e a Dani, que dormiam nas laterais da barraca,   também perceberam que por ali também estava bem molhado, e que seus sacos de dormir estavam encharcados.  Eu não me molhei muito porque estava no meio das duas. Assim como a Bel.

Como não havia o que ser feito, Bel e eu nos esprememos um pouco para que a Dani e a Dri pudessem sair do molhado,  e voltamos a dormir.

Esse dia foi menos puxado. Levamos cerca de 1 hora para subir até  o Mirante da Cachoeira do André, em ritmo moderado, mais 1h40 de subida até o Retiro dos Pedros e mais  3 horas até a área de camping oficial do Pico do Papagaio. O trecho até o Retiro dos Pedros é pesado e, dai em diante,  fica leve.

Distância: 10 km
Tempo: 6h40 (sendo 1 hora de descanso)
Nível: Moderado
Camping: Camping oficial do Pico do Papagaio, que fica na saída do campo de poejo – após a Pedra Quadrada  e antes de pegar a bifurcação que leva ao cume  – Atenção: Não pode acampar no cume do Pico do Papagaio

4° Dia: Acampamento Base Pico do Papagaio – Porteira do Sítio do Saulo

Vista do quarto dia da travessia Baependi - Aiuruoca
Descendo para o Sítio do Saulo

Acordei as 5:30 da manhã. Já não havia mais chuva, mas o tempo lá fora estava horrível.

Como subir o Papagaio naquelas condições estava fora de cogitação, voltei a dormir, até a hora que o restante do pessoal começou a acordar.

Levantado acampamento, iniciamos a descida até a porteira do Sitio do Saulo,  as 8:15, onde nosso resgate nos buscaria.

Pela primeira vez o Célio ficou para trás, porque ainda estava terminando de arrumar suas coisas, mas como ele é ligeirinho logo nos alcançou.

Esse trecho do acampamento até o Sítio do Saulo é de pura descida. Bem fácil, mas castiga um pouco os joelhos.

Boa parte dele é feito dentro de uma linda mata até sair dela e dar de cara com o vale do Matuto.

A descida segue por trilha óbvia até o Sítio do Sr. Batista, local onde se deve tomar cuidado, para não entrar em  trilha errada.

A trilha segue pela esquerda, mas como havia um cachorro bem nervosinho por ali, quando passamos, acabamos nos distraindo e seguindo reto, descendo, pela porteira. Logo vimos o equívoco e retornamos.

A trilha correta cai em uma estrada de terra, a qual segue descendo até uma porteira azul, do lado da porteira do Sítio do Saulo, onde chegamos por volta da 10:30.

Pico do Papagaio
Final da travessia Baependi – Aiuruoca, com o Pico do Papagaio ao fundo

A essa hora, nosso resgate ainda não tinha chegado. Apesar de ainda não ser 11:00, horário que combinamos, lembramos que o Sr. Diomar, motorista da van, teria falado que já estaria ali desde cedinho. Ficamos meio preocupados então.

Assim que passou um carro,  fiz sinal de parada e pedi para a motorista, caso avistasse uma van escolar branca, que avisasse que estávamos ali, aguardando.  Como o Sr Diomar nunca tinha ido para aqueles lados, estava com medo de que ele pudesse estar esperando em local errado.

Não sei se estava, mas o fato é que, pouco depois das moças partirem, nosso resgate apareceu, pontualmente as 11:00.

E foi aí que a gente levou a maior lição de toda essa travessia.

Seu Diomar chegou com a van,  todo feliz,  super orgulhoso da gente  e cheio de coisinha para a gente comer. Até danone tinha. E água geladinha. Que amor!!! E a gente pensando aquelas coisas horríveis dele, no início da travessia.

É como o Lucas disse, o povo de cidade grande está condicionado a sempre ficar com um pé atrás com o outro e acaba condenando pessoas boas,  equivocadamente, como a gente fez.

Comemos a comidinha que o seu Diomar levou para a gente e embarcamos rumo a um restaurante próximo a Baependi, ainda na rodovia, onde almoçamos uma gostosa comida mineira.

Após o almoço, nos despedimos do Célio (uns amigos dele o encontrariam ali) e a van seguiu viagem rumo à São Lourenço, conosco. Eu fiquei pelo caminho, na Rodoviária de Caxambu e o restante do pessoal seguiu para São Lourenço, para pegar os carros e  seguir viagem de volta para casa.

Assim como os outros participantes, eu não estava dando muita coisa para essa travessia. Não achei que fosse me deparar com tanta paisagem linda pelo caminho. Mas as fotos estão aí para provar que a gente estava completamente errado.

Foram aproximadamente 2h30 de descida, desde o acampamento até a porteira do Sítio do Saulo, passando por 2 pontos de água pelo caminho: um logo após a gruta, e outro no Sítio do Sr. Batista. O trecho é leve, porém em descida íngreme, que castiga os joelhos.

Distância: 5,8 km
Tempo: 2h30min
Nível: Leve (apenas descida)
Finalização da travessia: Porteira Sítio do Saulo


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